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domingo, 11 de agosto de 2019

7 textos fundamentais para compreender Nietzsche


7 textos fundamentais para compreender Nietzsche

 Nietzsche e a tragédia humana

Resultado de imagem para NietzscheAté a Grécia antiga anterior a Sócrates, o homem tinha uma relação íntima com a natureza. Os deuses representavam as mais altas (e as mais baixas) qualidades humanas. Os homens se identificavam com os deuses e suas ações visavam a plenitude da existência. Para Nietzsche, a vida é “vontade de potência”, que é o desejo de viver de forma plena e vigorosa, por isso o filósofo alemão considerava a perspectiva dos antigos algo mais próximo de uma vida plena e carregada de significados. Os antigos mesclavam a realidade ao mito, a existência aos mais profundos anseios inconscientes.
 Essa aproximação do homem com a natureza e o mito Nietzsche chamava de relação entre o apolíneo com o dionisíaco, que dava ao homem a noção de pertencimento à ordem perfeita da natureza. Mas, após Sócrates e Platão, as investigações filosóficas se voltaram para um “além-mundo” e iniciaram a “despotencialização” do homem, que passa a depositar suas esperanças não mais nessa vida, mas em uma vida “espiritual” depois dessa vida. A realidade passa a não ter mais sentido em si mesma e o homem perde sua dimensão mítica e começa a tornar-se fraco e ressentido.  A realidade, para Platão, é apenas uma “sombra do mundo perfeito” conforme está claro no Mito da Caverna. Para Nietzsche, esse é o início da tragédia humana.



Na era medieval essa visão platônica se acentua e o cristianismo se instala, fundando a Europa cristã. Agostinho, irá retomar as ideias de Platão e fundar uma doutrina cristã de enfraquecimento. O homem já nasce pecador e miserável e somente o Deus cristão poderia “perdoá-lo” e “salvá-lo”. Tal é a ideia do “pecado original” de Agostinho que o cristianismo adotou como oficial.
A humildade e a humilhação passam a ser valorizadas e esse mundo torna-se um lugar não apenas imperfeito, mas também de castigo e sofrimento. O orgulho e a altivez são vistos como pecados. O deuses antigos são transformados em demônios “pagãos” e associados com o mal que leva o homem ao inferno. Agora o homem não é apenas fraco, é também assustado, paranoico, e diviniza as mais baixas qualidades humanas. O homem forte, vigoroso e orgulhoso tornou-se “mau” e “condenado”, e o fraco que sempre ressentiu-se da superioridade do forte passou a ser “bom”.

Se na era medieval a questão de Deus era o ponto central, na era moderna ocorre uma transição, uma passagem da visão cristã para uma nova percepção do mundo e do homem, não mais como um ser criado por Deus, mas dono de si que a tudo investiga com a razão e a experimentação. O Renascimento, que marcou o início da modernidade, foi definido pelo uso da razão, pela negação da visão medieval e pelo surgimento de um novo Deus: a ciência.
A modernidade pretendia emancipar o homem, mas conseguiu dessacralizar mais ainda o mundo e não deu nada em troca, a não ser a crueza de uma vida sem encantos ou significados. A revolução industrial deu origem à grande massa humana, a multidão que se desloca diariamente de suas casas para as fábricas e escritórios em busca de objetivos mesquinhos, lutando por uma vida superficial de pequenos prazeres.  As eras medieval e moderna transformaram todos os homens em iguais, promovendo a normalização da natureza humana.
Na modernidade o diferente é perseguido e criticado, pois tudo tem de ser de acordo com normas e costumes niveladores. Nietzsche pela primeira vez identifica esse comportamento afetado e paranoico com o ressentimento, que é a inveja que o fraco tem do forte e do diferente. Tal pensamento totalmente original irá inspirar Freud na criação da teoria do inconsciente.
Para Nietzsche a era moderna criou uma expectativa desmedida e ingênua, baseada na razão e na ciência, que tirou do homem sua profundidade.“Deus está morto” é uma crítica à própria filosofia de seu tempo, influenciada por Descartes, pai da filosofia moderna que colocou o homem (o “eu”) no centro da investigação filosófica e definiu a natureza como um mecanismo sem mistérios.

Nietzsche afirma então que o homem moderno não sabe mais para o que se voltar. A filosofia ocidental e a modernidade falharam em dar um significado à vida. O que morreu foi nossa dimensão divina, nossa vontade de viver plenamente e nosso heroísmo, nos tornando animais de rebanho, ovelhas, seres pequenos, egoístas, covardes e assustados.  O único mérito que o homem moderno tem é o fato de sua tragédia ser apenas uma transição para o além do homem, que será o momento que o homem vai se desfazer de toda essa baixeza e viver sua vida de forma autêntica, original e plena. Assim falava Friedrich Nietzsche, assim falava Zaratustra.

Nietzsche: dimensões humanas e além do homem

Nietzsche afirma que o ser humano tem duas dimensões: a apolínea e a dionisíaca. A dimensão apolínea são nossas funções racionais voltadas para a criação de representações que têm por objetivo a praticidade, o compromisso com a realidade, enquanto que a dionisíaca cria representações sem compromisso com a realidade, na forma de imaginação, mitos e sonhos.

O excesso de razão

Essas duas dimensões complementam o homem, e Nietzsche aponta para o erro dos valores da sociedade europeia (que foram transmitidos para as Américas) que tentam controlar estas funções com o excesso de racionalização e imposição de representações religiosas, ideias partidárias e esquemas econômicos que geram uma supervalorização da dimensão apolínea.

Além do homem

Para Nietzsche, o homem deve ser livre para criar suas próprias representações e não mais adotar as representações limitantes impostas por esses esquemas. Aquele que consegue ser livre e viver sua vida de acordo com suas próprias representações, criadas por sua vontade, estaria além do bem e do mal e seria um novo homem dentro de uma nova realidade. Este seria o Super-Homem, uma das ideias centrais de Nietzsche, que alguns filósofos preferem traduzir do alemão Übermensch como além do homem.

Nietzsche e Freud

Essa perspectiva de Nietzsche sobre as dimensões humanas inspirou posteriormente Sigmund Freud na criação de sua teoria do inconsciente. Para Freud, a civilização é incompatível com os instintos mais profundos do homem, pois valoriza a razão e reprime os desejos, o que acabaria gerando vários problemas psicológicos.

Nietzsche, socialismo e capitalismo

Não faz sentido que os militantes da esquerda ou da direita utilizem Nietzsche para sustentar coisa alguma. Por mais que a morte de Deus seja algo utilizado pelo ateísmo para lutar contra o “poder alienante e opressor da religião” (que é um projeto de Marx), vale lembrar que na política Nietzsche é simplório: o forte se estabelece e o fraco perece, porém, quando o fraco por uma artimanha toma o lugar do forte, temos uma sociedade medíocre e sem valor. Nivelada por baixo. E Nietzsche sustenta que é através da religião e da política que o fraco toma o lugar do forte.
Nietzsche tinha ojeriza a qualquer “voz do oprimido”. Além do mais, antes que a direita — chamada de burguesia pela esquerda — utilize esse filósofo para sustentar a meritocracia usando o conceito do forte, vale também lembrar que para ele a tal burguesia não passava de um bando de gente cafona e sem brilho que só pensa em dinheiro e olhe lá. E não adianta usar roupas caras, pois a baixeza de espírito é visível. Melhor para humanidade que nunca tivessem surgido, assim ele sustenta em suas obras. Abaixo segue um exemplo:
Quem tentar utilizar Nietzsche como ferramenta política pode se queimar. E ele mesmo deixou o recado: “Aquilo que toco torna-se chama”. Não é um filósofo para os preocupados com dinheiro, religião, igualdade e democracia. Para ele a modernidade nivelou todos por baixo, foi uma tragédia e não tem salvação. Não estou defendendo o bigodudo, sou democrático. Para ele sou medíocre. Mas era assim que ele pensava. E isso deve ser levado em consideração. Os filósofos de esquerda da Escola de Frankfurt também cometeram o erro de incluir Nietzsche em suas pretensões marxistas. É preciso entender que o projeto de Nietzsche é outro, que é o Além-homem, o Übermensch.
Sim, eu sei de onde venho! Insatisfeito como o fogo, ardo para me consumir. Aquilo que toco torna-se chama, e em carvão aquilo que abandono. Sou fogo, com certeza!

Nietzsche: vontade de verdade e vontade de potência

A vontade de potência é um dos conceitos centrais da filosofia de Nietzsche. É através dele que este filósofo alemão irá construir sua crítica tanto à filosofia ocidental realizada após Sócrates quanto ao cristianismo. No entanto, para entender a vontade de potência é necessário compreender seu conceito oposto: a vontade de verdade.

Vontade de verdade é desejo de fundamento

A vontade de verdade é o desejo que motiva o homem a encontrar uma verdade eterna e imutável que estaria por trás da realidade. Mas Nietzsche acredita que a vontade de verdade tem uma intenção prática e política de nivelar os homens, normatizar a vida e reduzir o pensamento, barrando o fluxo de lembranças, vontades e desejos que sempre impulsionaram a humanidade. A vontade de verdade se revela nas religiões e na filosofia pós-socrática como um desprezo pelo mundo, fazendo o homem voltar-se para um suposto além-mundo, criando uma valorização espiritual que acaba por desligar o homem da realidade, tornando-o doente, fraco e manipulável.
Até mesmo o ateísmo é uma vontade de verdade, uma crítica estéril a um Deus que não existe, gerando uma atividade filosófica inútil. Nietzsche nos fala que a modernidade foi tomada por uma vontade de verdade que atenta contra a vida, e que todos os valores que hoje são difundidos nas sociedades ocidentais são como doença, valores infestados de preconceitos morais que degeneram o homem. Isto fez com que o ocidente gerasse homens fracos, “humildes” e dignos de pena. A valorização do espiritual acaba por gerar uma precariedade espiritual. A vontade de verdade é, para Nietzsche, uma mentira.

Vontade de potência é desejo de viver

Por outro lado, a vontade de potência é uma vontade de vida, não de saber a verdade da vida, mas de viver. A vontade de potência se volta para este mundo e para os fluxos de imagens fortes, individuais e primitivas que nos ligam à vida, que nos dão força, significados e objetivos. Ora, são justamente esses fluxos e essas vivências individuais que ligam o homem à vida e ao mundo.
Então, a vontade de potência considera as vivências como a vida autêntica. Pensar a vontade de potência seria aceitar e pensar a vida, esta vida de cada um de nós, que cria nossa identidade e nos liga ao mundo e ao futuro, e não a um suposto além-mundo. Exemplos de vivências primitivas podem ser nossas experiências infantis, um primeiro beijo, o filho no colo, a mulher nos braços, aquele trem de brinquedo que montei quando criança – do qual me lembro ao ver um trem de verdade. São nossas experiências poéticas, intensas, emocionantes.
O futuro da humanidade não estaria depositado nas mãos dos líderes espirituais, nem nas mãos dos políticos egoístas da democracia (que Nietzsche considera outra mentira), mas nas mãos dos homens fortes que se ligam de forma intensa ao mundo, “espíritos livres que não acreditam mais na verdade”, que aceitam sua finitude e assumem a dor e a alegria do mundo, ultrapassando simbolicamente sua condição humana. Estes são, segundo este filósofo, os super homens.  Somente estes refletem profundamente sobre o mundo à sua volta e sabem o que é bom, verdadeiro e belo. Assim falava Friedrich Nietzsche, assim falava Zaratustra.

Nietzsche e o Eterno Devir: “Viva o melhor possível e, só então, morra”


Nietzsche nos pergunta se a vida que vivemos é a vida que escolheríamos viver eternamente. Chamou esta ideia de “eterno devir”. Zaratustra, o personagem de sua obra prima, condena a mediocridade e exorta as pessoas a serem melhores do que são, a se descobrirem e se excederem. Este Trecho do livro A Cura de Schopenhauer, de Irvin D. Yalom aborda essa ideia de Nietzsche.
Certa noite, sem conseguir dormir e precisando se animar um pouco, foi mexer nos livros da biblioteca. Não encontrou nada na sua área que pudesse, mesmo remotamente, aliviar sua situação, nada que dissesse como uma pessoa deveria viver, ou encontrar sentido nos dias de vida que ainda lhe restam. Viu então um exemplar bastante manuseado de Assim Falava Zaratustra, de Nietzsche. Conhecia bem aquele livro: décadas antes, ele o tinha estudado muito quando escrevia uma artigo sobre a grande, mas não reconhecida, influência de Nietzsche sobre Freud.  Achava Zaratustra um livro corajoso, que, mais que qualquer outro, ensina como reverenciar e celebrar a vida. Sim, podia ser a resposta. Ansioso demais para ler com método, percorreu as páginas aleatoriamente e leu algumas linhas que estavam sublinhadas.
Entendeu que as palavras de Nietzsche significavam que era preciso escolher a sua vida – ele tinha de usufruí-la em vez de ser “usufruído” por ela. Em outras palavras, tinha de amar seu destino. E, acima de tudo, havia a pergunta que Zaratustra sempre fazia – se gostaríamos de repetir a mesma vida eternamente. Uma ideia curiosa e, quanto mais Julius pensava nela, mais seguro se sentia: a mensagem de Nietzsche para nós era viver de forma a querer a mesma vida sempre.
Continuou folheando as páginas e parou em dois trechos bem sublinhados com tinta rosa “Complete sua vida.”  “Morra na hora certa.”
Isso mesmo. Viva o melhor possível e, só então, morra. Não deixe nada por viver. Julius comparava as ideias de Nietzsche a um teste de Rorschach, pois tinham tantos pontos de vista opostos que a conclusão dependia de quem lesse ou, no teste, de quem olhasse. Por mais que Zaratustra exaltasse, até glorificasse a solidão, por mais que exigisse o isolamento para poder pensar, ainda assim estava preocupado em amar e exaltar os outros, em ajudá-los a se aperfeiçoar e se exceder, com compartilhar com eles sua maturidade.
Colocou o livro de volta na estante, sentou-se no escuro e ficou olhando pela janela o farol dos carros, pensando nas palavras de Nietzsche. Após alguns minutos, conseguiu: descobriu o que fazer e como passar seu último ano de vida. Iria viver exatamente do mesmo jeito que o ano anterior e o antes do anterior. Gostava de ser terapeuta, gostava de se ligar a outras pessoas e ajudar a trazer algo à vida.

Nietzsche e os filósofos pré-socráticos

Nietzsche considerava os pré-socráticos os verdadeiros filósofos, pois não separavam o homem da natureza. Eles produziram uma filosofia carregada de mitos, imaginação, cores, cheiros e sabores, voltada para a vida e seu dinamismo, para a descoberta dos fundamentos do mundo através da contemplação e apreciação da natureza.
Por isso eles foram chamados de “os filósofos da natureza”.  Heráclito, um dos pré-socráticos que influenciaram Nietzsche, declarou que “um mesmo homem nunca se banha no mesmo rio“, apontando para a eterna transformação e devir da natureza e enfatizando a ideia de que o homem seria parte desse dinamismo.
A “busca pela verdade” iniciada por Sócrates é para Nietzsche um enorme engano, um desvio que levou todo o mundo ocidental a investigar aquilo que não existe, além de cometer o erro de colocar o homem no centro da investigação filosófica, separando-o da natureza. Esta mudança de objetivo (da natureza para o homem) é conhecida na história da filosofia como “virada antropológica“. Nietzsche chama esse período específico da história da filosofia de “início da tragédia”.

Zaratustra e a apologia ao Sol

Quando chegou aos trinta anos, Zaratustra deixou sua pátria e o lago de sua terra natal e partiu para as montanhas. Lá permaneceu, nutrindo-se de seu espírito e de sua solidão, sem se cansar. Dez anos se passaram. Seu coração, porém, mudou e, uma manhã, tendo-se levantado com a aurora pôs-se frente ao sol e assim falou:
“Tu, grande astro! Que seria de tua sorte, se te faltassem aqueles a quem iluminas? Há dez anos continuas subindo até minha caverna. Se eu, minha águia e minha serpente não estivéssemos aqui, tu te haverias cansado de tua luz e deste trajeto.

Nós, porém, te esperávamos todas as manhãs para recebermos teu supérfluo e por ele te rendemos graças. Pois bem, já ando farto de minha sabedoria, como a abelha que acumulasse demasiado mel. Sinto necessidade de mãos que se estendam para mim.

Quem dera eu pudesse prodigalizar e repartir até o dia em que os sábios, entre os homens, se sentissem felizes por sua loucura e os pobres, felizes por sua riqueza.

Por isso, preciso descer às profundidades, como tu fazes todas as noites, quando mergulhas para além do mar para levar tua luz ao mundo subterrâneo, astro que tudo superas.

Como tu, preciso declinar, como dizem os homens, entre os quais pretendo descer.
Abençoa-me, pois, olho afável que pode ver sem inveja até mesmo o excesso de felicidade.






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