Miguel
Reale
nasceu na bucólica e pacata cidade de São Bento do Sapucaí, na
serra da Mantiqueira, no médio vale do Paraíba, em plena primavera do dia 6 de
novembro de 1910.
O menino de Sapucaí,
que se criara entre médicos e hospitais, descendia de uma dinastia de notáveis
da Medicina. No entanto, não era esta sua vocação. Fugia do avental alvo. Seus
dedos e suas mãos não se prestavam a segurar o bisturi. Perdia a Medicina, mas
a Filosofia, o Direito e o Humanismo viam nascer aquele que passaria para a
história como o mais completo intelectual do século passado, projetando sua
influência no mundo inteiro, notadamente na Itália.
Miguel Reale não
descansa. Termina o curso de Direito, em 1934, na Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco, nas Arcadas famosas, por onde passaram os mais notáveis e
importantes homens e mulheres que contribuíram com seu talento e inteligência
para o engrandecimento do País, sendo ele um dos que marcariam o Século XX como
dos mais fulgurantes filósofos e humanistas. Até o último instante de vida,
trabalhou e escreveu sem cessar, jamais se apartando dos problemas e das
questões transcendentais.
Participou de todos
os movimentos políticos, sociais, culturais e filosóficos. Nunca temeu tomar
posições por mais polêmicas que fossem, daí sua singularidade. Ocupou a cadeira
número 14 da Academia Brasileira de Letras, sucedendo Fernando de Azevedo, e
foi saudado pelo acadêmico Cândido Mota Filho.
Era um professor
brilhante, por vocação O magistério era sua vida e sabia, como ninguém,
partilhar seus conhecimentos com seus alunos e amigos. Formou legião de
discípulos e seguidores. Tive a honra e o privilégio de ter sido seu aluno, na
velha Academia de Direito, assistindo às aulas vibrantes, ouvindo o mestre e
com ele aprendendo o verdadeiro significado do Direito e sua importância para a
convivência dos seres humanos em sociedade.
Provocou, quando
ainda jovem estudante, verdadeira revolução, nas ciências jurídicas, ao
conceber a teoria tridimensional do direito, estabelecendo a união dialética
entre os três elementos: fato, valor e norma; entretanto, com a humildade dos
verdadeiros sábios, creditou a repercussão desta doutrina à iniciativa do
mestre italiano Luigi Bagolini, da Universidade de Gênova, que, com Giovanni
Ricci, traduziu seu livro de Filosofia do Direito, fazendo ressoar a boa nova
na Itália, berço de grandes juristas e filósofos.
Coordenou e elaborou
o Código Civil Brasileiro, de 2002, mas também é o criador que injetou
substância no Estatuto Civil. Novamente, com humildade franciscana, própria dos
grandes homens, aceita esta afirmação apenas em termos, pois confessa que, em
verdade, houve um entendimento entre todos os membros da Comissão de que a
elaboração de um novo Código Civil pressupunha a fixação de determinados
princípios diretores, superando a visão acanhada do Direito pelo Direito, ou
seja, o pandectismo, sem considerar as categorias sociológicas, éticas,
políticas e todas as demais que interferem na experiência social. Eis a concretização
de seu ideário.
Reale pontificou em
tudo que fez. Deixou obras imorredouras. Escreveu ensaios. Escreveu para
revistas, jornais e para a Internet, até sua partida para o outro plano. Nunca
esmoreceu um momento sequer.
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