Os Pré-socráticos - Filosofia pdf
QUE TERÁ LEVADO o homem, a partir de determinado momento de sua
história, a fazer ciência teórica e filosofia? Por que surge no Ocidente, mais
precisamente na Grécia do século VI a.C., uma nova mentalidade, que passa a
substituir as antigas construções mitológicas pela aventura intelectual, expressa
através de investigações científicas e especulações filosóficas?
Durante muito tempo o problema do começo histórico da filosofia e da
ciência foi colocado em termos de relação Oriente - Grécia. Desde a própria
Antigüidade confrontaram-se duas linhas de interpretação: a dos "orientalistas",
que reivindicavam para as antigas civilizações orientais a criação de uma
sabedoria que os gregos teriam depois apenas herdado e desenvolvido; e a dos
"ocidentalistas", que viam na Grécia o berço da filosofia e da ciência teórica.
Interessante é observar que os próprios gregos dos séculos V e IV a.C., como
Platão e Heródoto, estavam ciosos da originalidade de sua civilização no campo
científico-filosófico, embora reconhecessem que noutros setores,
particularmente na arte e na religião, os helenos tivessem assimilado elementos
orientais. Nos gregos do período alexandrino ou helenístico, porém, desaparece
essa pretensão de absoluta originalidade: a perda da liberdade política e a
inclusão da Grécia nos amplos impérios macedônio e romano alteram a visão
que os próprios gregos têm de sua cultura. Já não se sentem — como pretendia
Aristóteles — dotados de uma "essência" própria e completamente diferente da
dos "bárbaros" orientais. Assim é que Diógenes Laércio, em sua Vida dos
Filósofos, já se refere à fabulosa antigüidade da filosofia entre persas e egípcios.
Foi, porém, entre os neoplatônicos, os neopitagóricos, com Filo, o Judeu, e com
os primeiros escritores cristãos que surgiu, mais definida, a tese da filiação do
pensamento grego ao oriental. Em nome de afirmações nacionais ou
doutrinárias, passou-se a atribuir ao Oriente a condição de fonte originária da
tradição filosófica, que os gregos teriam apenas continuado e expandido.
Ainda no século XIX os historiadores se dividem a respeito do começo
histórico da filosofia e da ciência teórica. Ao orientalismo de Roth e de Gladisch
opõe-se, por exemplo, o ocidentalismo de Zeller ou de Theodor Hopfener. As
disputas continuariam indefinidamente em termos da relação "empréstimo" ou
"herança" entre Oriente e Grécia, examinada freqüentemente com bases apenas
conjeturais, se dois fatores não viessem, a partir do final do século XIX, deslocar
o eixo da questão: a expansão das pesquisas arqueológicas e o interesse pela
natureza da chamada mentalidade primitiva ou arcaica.
A arqueologia veio substituir muitas das elucubrações por indicações bem
mais seguras e convincentes, demolindo preconceitos e, às vezes, propondo
hipóteses novas de trabalho. O interesse pela mentalidade arcaica veio, por sua
vez, mostrar que o principal aspecto da questão da origem histórica da filosofia
reside na compreensão de como se processa a passagem entre a mentalidade
mito-poética ("fazedora de mitos") e a mentalidade teorizante.
Embora a questão do início histórico da filosofia e da ciência teórica ainda
contenha pontos controversos e continue um "problema aberto" — na
dependência inclusive de novas descobertas arqueológicas —> a grande maioria
dos historiadores tende hoje a admitir que somente com os gregos começa a
audácia e a aventura expressas numa teoria. Às conquistas esparsas e
assistemáticas da ciência empírica e pragmática dos orientais, os gregos do
século VI a.C. contrapõem a busca de uma unidade de compreensão racional,
que organiza, integra e dinamiza os conhecimentos. Essa mentalidade, porém,
resulta de longo processo de racionalização da cultura, acelerado a partir da
demolição da antiga civilização micênica. A partir daí, a convergência de vários
fatores — econômicos, sociais, políticos, geográficos — permite a eclosão do
"milagre grego", que teve na ciência teórica e na filosofia sua mais grandiosa e
impressionante manifestação.
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