O Mundo Sensível e o Mundo das Ideias
Este
Mundo das ideias perfeitas
transcende ao homem e só é dado a quem conquista
a sabedoria. Para estabelecer a ligação entre o mundo sensível e o mundo inteligível (mundo das ideias),
para dizer como se dá a intuição dessas
essências separadas daquelas presas ao mundo sensível, Platão utiliza outro mito.
Conhecimento para ele é reminiscência, recordação.
Recordação
do que? Daquilo que a alma viu no Mundo das ideias. O mito dos cavalos alados refere-se à alma e remete para uma
existência anterior, na qual a alma estava no Mundo das Ideias e contemplou coisas perfeitas. Na verdade, há no
homem três
almas: A
apetitiva, a irascível e a racional.
É
interessante notar que estas almas ocupam espaço no corpo.
A alma apetitiva se localiza nas entranhas, no abdômen e faz alusão aos instintos.
A alma
irascível está
no peito e diz respeito aos sentimentos.
A alma
racional está
na cabeça e representa a razão, o mais nobre no homem.
As duas
primeiras são mortais. Só a racional é imortal. O mito descreve um carro puxado por dois cavalos alados: um branco mais manso, de boa raça e outro preto, pesado, fogoso, indomável. O
carro é dirigido por um cocheiro que precisa
conduzir adequadamente estes cavalos para o carro não se perder. O cavalo preto representa
a alma apetitiva. Ela é comandada pelos
apetites, pela condição biológica,
instintiva do homem.
O cavalo branco
representa a alma irascível, sede das paixões.
O cocheiro é a alma
racional à qual incumbe dominar as outras duas que lhe
são inferiores.
Mal
conduzido o carro, a alma cai do Mundo
das Ideias, em um corpo que representa para ela a prisão. Platão utiliza a expressão
de ser o corpo o túmulo da alma. A alma, enquanto esteve no Mundo das Ideias, conheceu as coisas
perfeitas. Ao ser aprisionada no corpo
vê as coisas do mundo sensível, recorda das coisas perfeitas e deseja retornar.
A recordação é possível pela relação que
existe entre o mundo sensível e o mundo das ideias. Esta relação é narrada no Timeu, pela ação do Demiurgo. Por
bondade, faz nascer o cosmos a partir de uma massa caótica, desordenada e em
revolução, imprimindo nela a ordem, a organização, a harmonia.
O Demiurgo não tem poder criador. "O
artesão, por mais ativo que seja em sua reflexão intelectual não faz mais que
organizar uma matéria que já está lá imitando um modelo já existente, em função
de ideias e de números já inscritos no mundo inteligível." (DROZ, 1997: p.
127).
Ele
faz o mundo dispondo dos elementos da natureza – a água, a terra, o ar e o fogo
– e utiliza, por modelo, copiando-as, as ideias perfeitas e infunde alma no
mundo dando-lhe ordem e unidade. No Parmênides encontra-se a seguinte
colocação: "...as formas estão na natureza como paradigmas, e que as
outras se parecem com elas e são semelhantes delas." (PLATÃO, 2003: 132
d). Assim, pela semelhança que existe entre as coisas do mundo sensível e do
mundo inteligível, justifica-se a identificação de conhecimento com a
reminiscência.
A reminiscência é
um ponto importante na teoria do conhecimento platônico cujo pilar é a crença na pré-existência da alma e na metempsicose –
isto é a crença no retorno das almas
que não atingem o grau mais alto do aperfeiçoamento, reencarnando em outros
corpos – e sustenta o princípio socrático de que nada se ensina porque não há
transmissão de algo exterior para o interior da pessoa na medida em que o saber está na alma e só precisa ser redescoberto
por meio de recordação. "...a anamnesis,
longe de nos religar a uma passado, religa-nos
à verdade, isto é, ao Mundo da Ideias,
ou melhor ainda, ao ser imutável e
eterno." (DROZ, 1977: p. 70).
Nessa
ascensão no conhecimento, na qual a alma se eleva da ignorância à intuição, o amor ajuda porque se encontra
no meio entre os que estão na ignorância
e os deuses que não precisam buscar o que já possuem.
A alegoria
do amor, numa bela descrição literária, está no relato que,
durante o Banquete, Sócrates faz de um ensinamento que
recebeu e narra o nascimento do amor cuja mãe Pênia, a Pobreza, lega ao filho a
indigência, por isso, Eros não tem morada e está sempre carente e inquieto. Não
é belo.
É
rude e vive na penúria, na pobreza. Do pai Poros, deus da Abundância, Eros
recebe a virilidade, a resolução, o desejo do belo e do bom. Aspira o saber e
descobre os caminhos que permitem atingi-lo. Eros não possui a sabedoria, mas
aspira alcançá-la porque deseja o que não possui. "A sabedoria, com
efeito, é uma das coisas mais belas e Eros é amor do belo, de modo que Eros é necessariamente
amante da sabedoria, e ser amante da sabedoria está, portanto, entre o sábio e
o ignorante.
É porque existe no homem a necessidade do conhecimento
e o desejo de alcançá-lo que o faz filosofar, ascendendo no
conhecimento do belo desde a visão dos corpos belos, das ações belas para, pela
intuição, contemplar à beleza em si.
Como
se verifica, por meio dos diferentes mitos, Platão transmite ideias sobre o
conhecimento, sua necessidade e decurso.
Primeiramente,
é importante esclarecer que este tema é
tratado em mais de um diálogo platônico e consiste em um dos principais fundamentos do pensamento do filósofo.
Para entender as razões que
possivelmente motivaram Platão a desenvolver esta parte de sua filosofia,
precisamos resgatar alguns aspectos do pensamento
pré-socrático, tendo como foco,
especialmente duas propostas feitas por dois pensadores específicos que
antecederam Platão: Heráclito e Parmênides. O
primeiro, em suas tentativas de buscar
elementos que explicassem a natureza, entendeu e afirmou que a realidade que o cercava era aparente, ou seja, estava em constante transformação (devir). Em oposição, Parmênides assegurou que a realidade não se altera e negou a
ideia de movimento contínuo da natureza.
O Mundo das Ideias parece surgir para
Platão como uma proposta reflexiva que sintetiza estas oposições anteriores. Platão compreende que existem dois planos distintos: um deles é estável, o outro instável. O que o filósofo chamou de Mundo das Ideias é imutável, eterno
e real, e opõe-se ao Mundo Sensível,
em que os objetos são passageiros,
caracterizados pela mutabilidade e ilusórios. Este último é o mundo das aparências, das cópias
imperfeitas daquilo que se encontra no Mundo das Ideias que, por sua vez, é
o mundo da Episteme
(verdades) e o Mundo
Sensível o mundo traçado pela doxa (opinião), através do qual, portanto, não se atinge a
verdade. Isto significa que no primeiro
mundo as coisas existem em sua essência e como absolutas, enquanto que no
segundo, apenas existem de maneira aparente, não como realmente são em si. O Mundo
Sensível é o mundo que apreendemos, que sentimos e que vivemos. Neste plano existem
apenas cópias das Formas verdadeiras que encontram-se no Mundo das Ideias. Para Platão, a
razão é o instrumento que possibilita o conhecimento das verdades eternas que
encontram-se no referido mundo perfeito. Através do exercício
intelectual, o homem pode relembrar verdades que já encontram-se em seu íntimo
e que foram anteriormente assimiladas pela alma no Mundo das Ideias.
Estas aparências
encontradas no Mundo Sensível teriam
sido criadas por um ser superior chamado
por Platão de Demiurgo (que seria um artesão). Este, teria
montado um mundo imperfeito que
copia as formas perfeitas e, assim, as essências
existentes neste plano ideal proposto por Platão possuem a forma primordial da
qual se originam as coisas que o homem conhece através da realidade sensível.
Ou seja, há
uma forma da qual tudo se origina.
Na verdade, com a criação destes dois mundos, Platão
resolve um problema criado pelos
filósofos pré-socráticos: Parmênides
e Heráclito. O problema era a respeito do movimento.
Se, para Heráclito tudo está em constante
movimento, mas nada dura para sempre. Já para o pensamento de Parmênides
este movimento é apenas uma ilusão, pois se as coisas mudassem deixariam de
serem elas mesmas.
Para Platão,
no mundo das ideias não existe mudança, pois tudo é eterno, assim como para Parmênides. E, no mundo dos sentidos de
Platão tudo está mudando e sujeito ao erro, assim como para o pensamento de Heráclito.
0 comentários:
Postar um comentário