O período helenístico
O Período Helenístico (ou Helenismo) foi uma época da
história compreendida entre os séculos III e II a.C. no qual os gregos
estiveram sob o domínio do Império Macedônico.
Foi tão grande a
influência grega que, após a queda do Império, a cultura helenística continuou
predominando em todos os territórios anteriormente por eles dominados.
Entre os séculos II
e I a.C., os reinos helenísticos foram aos poucos sendo conquistados pelos
romanos.
No mundo helenístico
há, no entanto, um fenômeno mais impressionante do que qualquer batalha de
Alexandre: gregos, egípcios, persas, hebreus, mesopotâmicos e
hindus, culturas tão ricas e distintas, passaram a ter contato. Surgia uma cultura nova, nem grega, nem
oriental, mas híbrida, sincrética, sendo, por isso, chamada de cultura
helenística. A língua grega tornou-se a “língua comum” em toda a região
conquistada por Alexandre. O modelo das cidades gregas era exportado para o
Oriente: nos territórios conquistados, Alexandre construiu cerca de 70 cidades,
sendo Alexandria, no Egito, a maior cidade da época, eixo econômico e
intelectual do Mediterrâneo Oriental.
A filosofia helenística
surge nesse contexto histórico. Ela é fortemente marcada por uma preocupação central com a ética, aqui entendida
como o estabelecimento de regras do bem
viver, da “arte de viver”. É ilustrativo disso o famoso Manual, do
romano Epicteto (50-125). Em outras
palavras, com o fim da pólis grega e o advento das hegemonias
(macedônica, romana ou bizantina), o homem deixou de ser analisado em sua
condição de “animal político”, que deveria viver
pela sua cidadania. O homem abondona perspectiva política ou desiludido com
ela, passou a preocupar-se mais com sua felicidade pessoal. Num mundo pluralista e multicultural, ou seja, cosmopolita, o homem
sentia-se desenraizado, e a pólis deixou de ser sua referência básica. A ataraxia (“paz
de espírito” ou “tranquilidade”), e não a política, leva os homens à eudaimonia (“felicidade”).
Surgem nesse período os filósofos: Plotino,
Zenão de Cítio, Epicuro, Cícero, o pensamento no
mundo helenístico é usualmente associado a uma escola ou tradição. A
originalidade, assim, tem menos valor que a vinculação a um grupo. Muitas
escolas helenísticas, por isso, foram acusadas de dogmáticas e doutrinárias,
por deixar de lado o aspecto polêmico e dialético da filosofia grega. Além do
mais, elas são profundamente ecléticas, por sintetizar diferentes doutrinas.
O período helenístico também ajudou a criar correntes filosóficas que
influenciaram diversas vertentes filosóficas posteriores. As principais escolas
foram:
• Estoicismo: essa corrente pregava a felicidade como
equilíbrio, na qual o homem deveria aceitar todas as situações postas pela
vida. Como foi uma escola que se adaptava aos contextos, acabou sendo a visão
filosófica do helenismo que mais durou. Seu principal representante e fundador
era Zênon de Cítion.
• Epicurismo: esse sistema filosófico afirmava que os
prazeres moderados contribuíam para o encontro do estado de equilíbrio e
tranquilidade, onde todos os medos eram liberados. O conhecimento sobre o
funcionamento do mundo diminuía o sofrimento corporal. O criador dessa escola
foi o filósofo Epicuro, que deu nome a corrente.
• Ceticismo: o fundador desse sistema foi Pirro de
Elis. A escola pregava o não julgamento das coisas, o desprezo pelas bens
materiais e pela afirmação de que todo conhecimento humano é relativo.
• Cinismo: iniciado pelo filósofo Antístenes,
essa corrente defendia a rejeição dos desejos de riqueza, poder político e
fama. Indicava que os homens deveriam viver com indiferença, sem pudor e cultuando
as amizades.
As principais escolas helenísticas são a
Estoica e a Epicurista.
Escola Estoica
A
Escola Estoica foi fundada em Atenas, em 300 a.C., por Zenão de Cítio (344-262
a.C.), e desenvolvida por Cleantes (330-232 a.C.) e Crisipo (280-206 a.C.). Em Roma, os principais representantes do estoicismo foram Sêneca (4 a.C.-65d.C.), Epicteto (60-138) e o imperador Marco Aurélio (121-180).
O termo “estoicismo” deriva de stoa poikilé (“pórtico pintado”), local em Atenas onde os membros da escola se reuniam. O estoicismo é a primeira ética
universal fundada numa igualdade de princípios de todos os homens: cada um
deve se pensar como “cidadão do mundo”, isto é, um cosmopolita.
A noção de
necessidade, ou destino (heimarmené), é muito forte no estoicismo: o homem deve resignar-se e
aceitar os acontecimentos predeterminados. Isso não se traduz
pela inação ou pelo fatalismo passivo.
Devemos agir de acordo com os preceitos
éticos e fazer o que julgarmos devido, mas devemos também aceitar as
consequências de nossa ação e o curso inevitável dos acontecimentos.
Segundo um exemplo famoso, se vejo alguém se afogando, devo salvá-lo, mas, se
não o conseguir, não devo desesperar-me, pois era inevitável. É legítimo,
portanto, um amor ao destino (amor fati).
Assim, os estoicos
acreditam que, para manter nossa ataraxia, devemos nos preocupar apenas com o que
podemos modificar (nossos pensamentos, ações, sentimentos). O que não
está ao nosso alcance, ou seja, o que não conseguimos modificar (morte,
velhice, catástrofes naturais, a opinião dos outros) não deve ser alvo de
nossas preocupações. O sábio, em vez de buscar mudar a ordem do mundo, deve
saber mudar seus desejos. A liberdade é compreendida como adesão à necessidade
do ser que sabe reconhecer na lei universal o que é mais apropriado à sua
natureza primeira. Como disse Sêneca: “Deve-se aprender a viver por toda a vida
e, por mais que tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer”.
Escola
Epicurista
Epicuro (341-271 a.C.), notabilizado por seu tratado Da Natureza, fundou sua escola em Atenas, em 306 a.C., reunindo-se com seus discípulos no Jardim (Kepos), que
ficou conhecido na Antiguidade. O Jardim
tornou-se uma comunidade filosófica que põe em prática a ideia de frugalidade,
serenidade e amizade, a rejeição das superstições religiosas e as vaidades
sociais. Os sábios constroem um pequeno mundo amistoso em que reinam
livremente a sabedoria e a amizade, no qual são recebidos abertamente mulheres, crianças, escravos e estrangeiros.
Para Epicuro, o que nos
afasta do soberano bem são os quatro grandes medos humanos: medo dos deuses, medo da morte,
medo do sofrimento e medo da dor. Os quatro medos
não têm razão de ser, pois são alimentados por crenças vãs. De fato, não são as coisas que nos atormentam, mas,
sim, as elaborações e os pensamentos que temos delas. A morte, por exemplo,
não deve ser temida, pois, se pensarmos, veremos que não há por que ansiar a
imortalidade. Além disso, a morte “não é nada em relação ao homem: ou ela
existe e ele não existe ou ele existe e ela não existe”. A morte de um amigo
não nos deve fazer infelizes, pois não é um mal para ele.
Para os epicuristas,
o homem age eticamente na medida em que dá vazão a seus desejos e necessidades
naturais de forma equilibrada ou moderada, e é isso que garante a ataraxia, porque
“aprender e gozar andam juntos”. A valorização do prazer (hedoné) como algo natural e a concepção de que a
realização de nossos desejos naturais e espontâneos é positiva deram origem à
imagem, certamente distorcida, de que o epicurista é alguém devotado a uma vida
cirenaica de prazeres. Ao contrário, o prazer excessivo joga-nos novamente na
dor, que por sua vez nos leva à ação viciosa. Existem três tipos de prazeres:
os naturais e necessários, que devemos buscar, pois a não satisfação causaria
em nós uma dor real; os nem naturais nem necessários, cuja não satisfação não
causaria uma dor verdadeira, e, portanto, artifícios da vaidade devem ser
evitados; e os naturais, mas não necessários (como um bom vinho ou o amor), que
devem ser evitados.
Escola cética
O Ceticismo é uma doutrina
filosófica, surgida na Grécia em IV a.C, durante o período helenístico. A
primeira escola cética foi fundada por Pirro de Élis (365/60-275/70 a.C) e a
inspiração do filósofo para criá-la teria se originado de uma série de viagens
feitas ao lado de Alexandre, o Grande, nas quais teria passado por países como
Índia e Pérsia, e conhecido grandes sábios desses locais. Pirro não deixou nenhuma obra escrita e dentre as principais fontes do
Ceticismo, encontram-se Diógenes Laércio, Cícero, Tímon e Sexto Empírico.
Ao longo da história da filosofia, os
principais representantes do Ceticismo, foram Pirro (fundador da primeira
escola cética, conforme já citado), Tímon de Filonte (díscupulo de Pirro – 320
– 230 a.C), Arcesilau (315-240 a.C), Carnéades (219-129 a.C), Enesidemo (século
I d.C), Agripa (séculos I e II d.C) e Sexto Empírico (160-210 d.C).
Pirro, fundador da primeira escola cética.
Podemos considerar que o
principal aspecto do Ceticismo é a “epoché“, que significa suspensão do julgamento,
ou, mais precisamente, a valorização de uma postura de neutralidade do juízo
diante de qualquer questão apresentada. Assim como ocorria com o Epicurismo e
com o Estoicismo, a finalidade de tal postura era a busca pela ataraxia
(imperturbabilidade da alma) e, portanto, a obtenção da ausência das
inquietações, angústias e ansiedades. Os céticos acreditavam que nem sempre
haveria dois lados divergentes, de mesma validade argumentativa e de
possibilidade numa determinada investigação e, por isso, não se deveria formar
opinião sobre nenhuma delas, nem ter plena certeza de nada, tal como seria
impossível se afirmar ou negar algo. Além da epoché, outro
importante princípio do Ceticismo é a crença de que o mundo que experimentamos
em nosso cotidiano é puramente fenomênico (isto é, aparente) e também por isso,
não poderia haver evidências certas ou compreensão absoluta de nada, sendo que,
portanto, para os céticos, vivemos num mundo caracterizado essencialmente pela
incerteza. Consequentemente, esses filósofos mantinham-se sempre no âmbito da
dúvida e da constante busca (chamada de sképsis), e não estabeleciam
afirmações e tampouco negações: “(…) a investigação cética é, por definição,
interminável, pois jamais levará a uma conclusão definitiva.”
Sexto Empírico, na obra Hipoteposes, faz um esclarecimento válido de
menção: o cético não rejeita aquilo que provém das impressões sensíveis, ou
seja, do que sentidos fornecem, como, por exemplo, a sensação de frio ou calor.
Porém: “(…) ele diz aquilo que lhe parece e relata o que sente de forma
não-dogmática, sem afirmar nada de positivo sobre o que existe na realidade.”
(EMPÍRICO, p. 118). Ainda no mesmo livro, mais adiante, fornece outro exemplo
acerca da realidade sensível, ao afirmar que não sabe se o mel é realmente doce,
mas apenas que lhe parece doce: “(…) se é doce em si mesmo é
algo questionável, pois não se trata mais de uma aparência, mas de um juízo
sobre o aparente”. (EMPÍRICO, p. 119). Ou seja, será aquilo que sentimos e
captamos, corresponde ao que tal objeto é de fato? Para os céticos,
simplesmente não é possível tirar quaisquer conclusões que estejam além daquilo
que se apresenta como mera aparência e qualquer tipo de conclusão sobre algo
que está além da percepção cairá no dogmatismo, que foi fortemente combatido
pelos céticos pirrônicos.
Escola cínica
A Escola Cínica, ou
o Cinismo, foi uma corrente de natureza moral um tanto quanto exagerada,
portanto, fora dos padrões normais, que ocorreu no Período Pós-socrático,
justamente para combater a cultura degenerada da época. Essa corrente foi como
que preparatória para o surgimento de outras escolas desse período, tal como se
estivesse antevendo a época posterior que iria se desenhar na Grécia com a
desencarnação de Alexandre, o Grande, em que a cultura grega iria decair do
nível que antes foram determinados pelo Período Doutrinário e pelo Período
Sistemático, através da degeneração da moral e da ética, assim como da
implantação da monarquia na Grécia Antiga, que tanto lá como nos arredores iria
se instalar.
O primeiro
veritólogo a definir a Escola Cínica foi Antístenes, discípulo de Sócrates, no
final do século V a.C., o qual foi seguido por Diógenes de Sínope, que levou o
Cinismo a ultrapassar aos extremos da lógica e passou a ser visto como sendo o
arquétipo do Cinismo, já que a sua autossuficiência e a sua indiferença demonstradas
perante as vicissitudes da vida espelhavam os ideais do cinismo, que então se
espalhou durante a ascensão do Império Romano, no século I, tornando-se quase
um movimento de massa, já que os seus seguidores eram encontrados tanto pedindo
esmolas como pregando ao longo das cidades do Império. A doutrina finalmente
desapareceu no final do século V, com o falso cristianismo primitivo adotando
muitos dos seus ensinamentos e das suas práticas ascéticas e retóricas.
A denominação de cínico é
proveniente do grego antigo kynikos, que significa
igual a um cão, sendo que em grego a palavra kyon significa cão,
cujo genitivo é kynos, como acontece nas línguas em que os
nomes se declinam por casos, sendo a manifestação com que se exprime em geral o
complemento possessivo, limitativo e, às vezes, o circunstancial ou
terminativo. Mas a explicação existente desde os tempos antigos do porquê dos
cínicos serem denominados de cães, deve-se ao fato de
Antístenes, que foi o primeiro cínico, ensinar no ginásio Cynosarges, ou
Cinosargo, um ginásio e templo para os atenienses nothoi, ou seja, aqueles
que não possuíam a cidadania ateniense por terem nascido de uma escrava,
estrangeira, prostituta, de pais cidadãos mas não legalmente casados, ou,
ainda, que fossem bastardos de hilotas, cujo nome designa uma raça escrava da
antiga Esparta. A palavra Cynosarges sugere
os significados de alimento de cão, cão branco ou cão rápido.
Mas ao que tudo
indica, a denominação de cão foi também
lançada aos primeiros cínicos como um insulto pelas suas rejeições exageradas
quanto aos costumes adotados, o que implica em total desprezo em relação às
convenções sociais, já que eles decidiram adotar os seus próprios costumes de
natureza ascética, ao viverem nas ruas. O próprio Diógenes de Sínope, em
particular, foi referido como o cão, ao ter afirmado que “os outros cães mordem os seus
inimigos, eu mordo os meus amigos para salvá-los”, ao que tudo
indica tentando transformar o significado da palavra em seu favor, como se
através da mordida ele estivesse inoculando os atributos morais nas carnes dos
seus amigos. Mas tal exagero de viver a vida em tais condições não condiz com a
verdadeira moral, pois foge a ela, já que esse procedimento não condiz com a
natureza, apesar dos cínicos considerarem que estavam vivendo em conformidade
com ela. Mas, mesmo assim, um comentarista tenta dar uma explicação para o
estilo de vida e a denominação canina aos cínicos, quando diz o seguinte:
“Há
quatro razões de porque os cínicos são assim chamados. A primeira razão por
causa da indiferença do seu modo de vida, pois fazem um culto à indiferença e,
assim como os cães, comem e fazem amor em público, andam descalços e dormem em
banheiras nas encruzilhadas. A segunda razão é que o cão é um animal sem pudor,
e os cínicos fazem um culto à falta de pudor, não como sendo falta de modéstia,
mas como sendo superior a ela. A terceira razão é que o cão é um bom guarda e
eles guardam os princípios da sua filosofia. A quarta razão é que o cão é um
animal exigente que pode distinguir entre os seus amigos e inimigos. Portanto,
eles reconhecem como amigos aqueles que são adequados à sua filosofia, e os
recebem gentilmente, enquanto os inaptos são afugentados por ele, como os cães
fazem, ladrando contra eles”.
Por aqui se pode
constatar plenamente o exagero extremo em busca da moral, em que nesse extremo
exagero a ética é quase que completamente esquecida, o que se leva a concluir
que os cínicos não eram verdadeiramente educados, pois que para o ser humano
ser educado verdadeiramente, ele deve possuir os atributos morais e éticos.
Além do mais, nenhum ser humano deve olvidar de viver a vida em conformidade
com a sociedade, mas tendo sempre como foco da sua vida aquilo que diga
respeito à virtude, o que não implica em agredi-la.
Os cínicos, tanto os
gregos como os romanos clássicos, consideravam a virtude como a única
necessidade para realizar a felicidade, vendo-a como inteiramente suficiente
para tanto. Mas nessa busca pela felicidade eles negligenciavam com rudeza a
sociedade, a higiene, a família, o dinheiro, etc., denotando assim uma elevada
dose de falta de ética. Assim, eles procuravam se libertar das convenções
estabelecidas pela cultura local, na tentativa de se tornarem autossuficientes,
em razão da crença equivocada de que estavam vivendo de acordo com a natureza.
Como consequência desse desvirtuamento, eles rejeitavam todas as formas
convencionais de felicidade que envolvessem dinheiro, poder, fama, etc., a fim
de viverem asceticamente de maneira virtuosa e, portanto, feliz.
Mas se os cínicos
antigos por um lado rejeitavam os valores sociais convencionais, por outro lado
criticavam fortemente alguns tipos de comportamentos prejudiciais ao convívio
humano, como a avareza, o egoísmo, a ganância, etc., que eram vistas como
causadoras dos sofrimentos. Uma maior ênfase sobre este aspecto dos seus
ensinamentos levou à compreensão moderna do que seja cinismo, já no final do
século IX, considerado como sendo a manifestação de uma atitude de desdém
negativo ou cansaço da vida, proveniente de uma desconfiança geral quanto à
integridade ou motivos professos dos outros. Mas esta definição moderna se
encontra em contraste marcante com o pensamento antigo, que destacou a virtude
e a liberdade moral na libertação do desejo.
Na realidade, o
propósito da vida para os cínicos era viver na virtude, na mais extremada
virtude, de acordo com os ditames da natureza, a qual eles não sabiam
interpretar nem o seu conteúdo e nem o seu objetivo para a vida, por lhes
faltar a sabedoria necessária para tanto. Nas suas ignorâncias acerca da
natureza, eles traçavam os objetivos essenciais para as suas vidas, em que
predominava a virtude moral, que somente poderia ser obtida se eliminando o
desejo de todos os bens supérfluos, assim como tudo aquilo que fosse exterior a
eles.
Daí a razão deles
defenderem a tese de que o ser humano dispunha de tudo aquilo que necessitava
para viver, independente dos bens materiais. A isto denominavam de autarcia,
uma variante com outra acepção mais difundida de autarquia, ou a qualidade de
quem se basta a si mesmo, que pretendia exprimir uma condição de
autossuficiência do sábio, algo que eles não eram, a quem basta ser virtuoso
para ser feliz. Mas o termo grego original é autarkeia, que significa
autossuficiência. Além dos cínicos, tal concepção se consagrou em uma
proposição defendida também pelos estoicos, como veremos mais adiante em outro
tópico, neste site de A Filosofia da Administração.
Os cínicos
desacreditavam das conquistas obtidas por esta civilização, rejeitando as suas
estruturas jurídicas, sociais e credulárias, estas últimas corretamente, pelo
fato de serem todos os credos e as suas seitas sobrenaturais, afirmando que
elas não trariam qualquer benefício ao ser humano. Considerando-se
autossuficientes, eles rejeitavam tudo aquilo que naturalmente não é dado ao
ser humano pelo nascimento, ao que parece se referindo até ao instinto, que é
irracional, que não pode servir de base para a conceituação nem da moral e nem
da ética. Em outros termos, este pensamento pode ser encontrado no mito Bom
Selvagem, de Rousseau.
Os conhecimentos
metafísicos acerca da verdade, por serem provenientes da percepção
criptoscópica, devem ser transmitidos por intermédio de uma saperologia, antes
de uma filosofia, com a inserção de algumas experiências físicas acerca da
sabedoria, para que assim possam ser acessíveis à compreensão intelectual. No
entanto, o cinismo não conseguiu penetrar no âmbito da verdade, já que a sua
saperologia partia do princípio de que a felicidade não dependia de nada
externo ao próprio ser humano, tais como as coisas materiais, sem qualquer
preocupação com a saúde, com o sofrimento doloroso e mesmo com a desencarnação,
limitando-se estritamente ao âmbito da moral, mesmo sem atingi-la a contento,
pois que dela o pudor faz parte integrante, mas preconizando a virtude para se
atingir a felicidade, em que desponta a sua saperologia no ensinamento da
libertação de todas as coisas materiais, para eles a única via pela qual se
pode atingir a felicidade, que, assim obtida, nunca mais pode ser perdida.
Assim, para os cínicos a virtude reside, sobretudo, na conduta moral do ser
humano, naquilo que lhe é intrínseco, não nas conquistas materiais, e muito
menos na aparência exterior.
Mas assim como
Sócrates, os cínicos nada deixaram de escrito. O que se sabe sobre eles foi
narrado por escritores alheios aos seus ensinamentos moralistas, que em geral
eram críticos severos dos seus modos de vida, pelo fato de serem alheios à
cultura e a sociedade.
Assim como a
preocupação com o próprio sofrimento doloroso relativo ao seu ascetismo, tanto
a saúde como a desencarnação, assim como o sofrimento doloroso dos seus
semelhantes, representavam algo do qual os cínicos também almejavam se
libertar. Em virtude disso, a palavra cinismo adquiriu a
conotação que hoje em dia tem de indiferença e insensibilidade ao sentir e ao
sofrer dos semelhantes, ou mesmo aquele que afronta ostensivamente as
convenções e conveniências morais e sociais.
Por volta do século
dezenove, a ênfase sobre os aspectos negativos da doutrina cínica levou ao
entendimento moderno de cinismo a significar desfaçatez, tal como uma
disposição de descrença na sinceridade ou bondade das motivações e ações
humanas, e também como a caracterização de pessoas que desprezam as convenções
sociais.
História da Filosofia
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